quarta-feira, 2 de abril de 2014

DITADURA MILITAR

Edição do dia 31/03/2014
31/03/2014 21h26 - Atualizado em 31/03/2014 21h26

Golpe militar de 1964 completa 50 anos; relembre

Foi o início de uma ditadura militar de duas décadas no Brasil. Especialistas contam como ocorreu a tomada do poder do país pelos militares.

O ambiente que propiciou o golpe militar de 31 de março de 64, e a ditadura que se instalou pelas duas décadas seguintes, estão nesta reportagem especial de Mônica Sanches.
Era um tempo de turbulências na política e na economia: a inflação acumulada em um ano chegou a 80% e as riquezas do país estavam encolhendo.
“Havia também uma falta de gêneros de primeira necessidade - alguns deles racionados, como o caso do açúcar. Havia uma distribuição de energia precária, a mesma coisa para a água. Transportes coletivos também. Por conta das greves, muitas vezes não eram disponíveis. Então, a vida das pessoas, o dia a dia, era bastante complicado”, lembra o economista da PUC-Rio Mário Mesquita, autor de um estudo sobre economia no país antes do golpe.
O mundo estava dividido pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. O historiador Carlos Fico encontrou, em arquivos nos Estados Unidos, provas dos esforços do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, para derrubar João Goulart.
“Lincon Gordon teve uma importância muito grande no convencimento do Departamento de Estado da tese segundo a qual João Goulart daria um golpe ou criaria uma República Sindicalista. E por ser um personagem politicamente frágil, os comunistas tomariam conta desta República Sindicalista”, conta Carlos Fico, historiador da UFRJ.
O temor de que Jango desse um golpe de esquerda aumentou depois do comício de 13 de março, no Rio, quando o presidente prometeu fazer as chamadas reformas de base. Ele tinha o apoio de movimentos sociais dispostos a impor essas mudanças na lei ou na marra.
“O comício da Central do Brasil foi organizado por um grupo de sindicalistas, comunistas e trabalhistas. E ali ele vai se aliar às esquerdas no sentido de pressionar o Congresso Nacional para aprovar as reformas”, explica o biógrafo da UFF Jorge Teixeira.
Parte da população foi para a rua contra o governo de João Goulart, com o incentivo de políticos de oposição, como o então governador de São Paulo, Ademar de Barros.
A primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade aconteceu no Centro de São Paulo. Ela passou pelo Viaduto do Chá, no dia 19 de março de 1964, arrastando cerca de 400 mil pessoas.
O sentimento mais comum era o medo de mudanças que aproximassem o país de um regime comunista. Mas muita gente que estava lá não imaginava o que aconteceria depois: um golpe de Estado, sucedido por uma ditadura militar, que duraria 21 anos.
Um telegrama enviado para a embaixada americana no Rio marca o início da operação Brother Sam. Os Estados Unidos estavam enviando ao Brasil navios petroleiros, um porta-aviões, contra torpedeiros e 110 toneladas de munição.
Neste ambiente político radicalizado, o general Olímpio Mourão Filho toma a frente do movimento contra o Jango e lidera uma tropa partindo de Juiz de Fora.
No dia 31 de março de 1964, o presidente João Goulart acordou no Palácio Laranjeiras e logo soube da movimentação das tropas que vinham de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Lá, ele recebeu visitas e informações que foram fundamentais para as decisões tomadas ao longo do dia.
“Aqui vem o general Peri Bevilacqua, que é o chefe do Estado maior das Forças Armadas, com um documento assinado por vários generais que diz o seguinte: ‘Se Goulart decretasse a ilegalidade do Comando Geral dos Trabalhadores e prendesse os comunistas, as Forças Armadas iriam apoiá-lo’”, conta Jorge Ferreira.
No fim da noite, Goulart fica sabendo que o comandante das tropas de São Paulo também apoiava o golpe.
“Ele percebe que é uma ação conjunta das Forças Armadas. Com o apoio dos empresários, com o apoio de amplos setores da classe média, dos meios de comunicação, do poder legislativo, com o apoio dos governadores de estado”, acrescenta Ferreira.
João Goulart é informado sobre a esquadra americana, que estava a caminho. “Isso pesa. Pesa porque ele percebe que o país pode entrar em uma guerra civil com intervenção estrangeira”, lembra Ferreira.
No dia 1º de abril, Goulart vai para Brasília e, de lá, segue para Porto Alegre em busca de apoio. Enquanto Jango voava, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, abriu o caminho para os golpistas.
“Ou seja, houve uma operação militar de um golpe, mas também houve um golpe do poder legislativo ao depor Goulart, estando em território nacional. E logo depois, o Áureo Moura Andrade empossa na presidência da República o Ranieri Mazzilli, o presidente da Câmara dos Deputados na linha de sucessão, com a presença, com o endosso do ministro do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, houve um golpe do Poder Legislativo endossado pelo Poder Judiciário e logo a seguir o governo norte-americano reconhece o novo governo”, explica Ferreira.
Sem resistência, a intervenção militar americana não foi necessária. Mas o governo americano apresentou a conta da operação Brother Sam: US$ 2,3 milhões, que nunca foram pagos pelo Brasil.
Em 11 de abril, o general Humberto Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional e assumiu a Presidência da República. Os militares tinham prometido entregar logo o poder aos civis, mas ainda vieram mais quatro generais e 17 atos institucionais.
“O AI-5, entre outras barbaridades, ele proibiu a concessão de habeas corpus para presos políticos. Isso foi o sinal verde para a tortura. Porque você era preso e ficava preso pelo tempo que os carcereiros militares quisessem, nas condições que eles quisessem”, conta o jornalista Cid Benjamin.
Enquanto a propaganda oficial falava em Brasil grande, com obras monumentais, a repressão e a censura se intensificavam. Em dezenas de instalações militares e policiais espalhadas pelo país, 362 pessoas morreram ou desapareceram depois de serem presas.
A perseguição aos opositores aumentou após as ações de grupos armados que pretendiam combater a ditadura e, ao mesmo tempo, implantar um regime socialista.
“Acho também importante dizer que foi errada a opção pela luta armada, porque nós não conseguiríamos galvanizar a população brasileira de uma forma suficiente para poder enfrentar e derrubar a ditadura militar”, explica Benjamin.
Só em 1985, após uma grande mobilização popular, o Brasil voltou a ter um civil na presidência. Quatro anos depois, os brasileiros puderam novamente escolher, por eleições diretas, o presidente do país.
“Toda a sociedade tem o direito à memória e à verdade para se evitar que haja novamente este cenário de horror que acabou ocorrendo no Brasil durante tanto tempo”, afirma Pedro Dellari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

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